sexta-feira, 27 de julho de 2012

O açúcar amargo de Fernando Dusi Rocha


Fernando Fiorese

“Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos!” Diante do grito trágico do Louco de Nietzsche, o fardo dos que creem é mais pesado. Porque acumula em si, a um só tempo, a realização do trabalho de luto e a expiação da culpa pelo assassínio. Sob o signo deste duplo pesar, Fernando Dusi Rocha opera nos poemas deste Crisol com açúcar os paradoxos e os paroxismos da condição humana, demasiado humana, face ao “desterro sem data de Deus”. Não como um lírico religioso marcado pela fé inabalável e pela esperança de salvação, mas como um poeta, de tal forma “emburrado com a eternidade” que desistiu “de ser profeta de homens / ... e de esperar pelo / batismo que nunca chega”. Não há mesmo como afirmar a poesia como análogon da profecia “entre escombros da criação”, no “paraíso dissoluto incompreensível”, uma vez que o êxtase prosaico vigora sobre a transcendência e o canto deste “luto despudoradamente humano” não é mais que “um zumbido do silêncio de Deus”, anunciando “o paradoxo sem paradoxo do mundo”. Ao poeta cumpre entregar-se nu às verdades desveladas pela queda profana e vulgar que nos coube: “Até que chegue sobre mim / o negrume de uma asa. Asa de águia ou de anjo / uma aspa em ebulição a permitir-me acreditar / no dia do sagrado e no irrompimento de Deus”. Embora o açúcar seja aqui não mais que um gracejo, este crisol de Fernando Dusi Rocha não acolhe apenas o agón da morte de Deus, mas também mistura e apura exemplares de uma lírica erótico-amorosa muitas vezes insólita e despudorada, exercícios de metalinguagem que revelam o seu vasto repertório artístico-literário e memórias da infância mineira, sempre com toques de humor negro. 

Orelha do livro
Crisol com açúcar (2011), de Fernando Dusi Rocha
Editora 7Letras

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