terça-feira, 21 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 04]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

COMPANHIA TÊXTIL BERNARDO MASCARENHAS, 1888

Uma outra Minas

Fernando Fiorese

Se Minas são muitas, conforme o sintagma que se cristalizou a partir das palavras de João Guimarães Rosa, Juiz de Fora é outra Minas. Mas qual? Poucas vezes se explicita esta pergunta, conquanto seja ela fundamental para realizarmos a cidade como lugar de habitação. Indiferentes à cidade, nos envergonhamos de ser diferentes. Face às óbvias dificuldades de identificação com a Minas barroca e colonial, com a Minas do Grande Sertão, com a Minas do erre apaulistado, preferimos a não-identidade, mineiramente ocultos atrás do espelho. Enclausurados entre a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira, não podemos o litoral e insistimos num olhar blasé em relação ao nosso horizonte.
Não se trata de amar incondicionalmente a cidade, mas de ser capaz de decifrar nas ruas e praças, nos edifícios e pontes, nas galerias e esquinas, os registros de uma outra Minas. E mesmo evitando a nossa singularidade, a nossa face, ela se afirma. Não por acaso, ao organizar a antologia sobre Minas Gerais na Coleção Brasil, terra & alma (Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1967), o poeta Carlos Drummond de Andrade não se esqueceu desta outra Minas: a Minas do Caminho Novo, assombrada por facínoras; a Minas dos piqueniques do Imperador e dos passeios de Getúlio Vargas; a Minas da União e Indústria, a primeira estrada carroçável do Brasil; a Minas dos escravos e do café; a Minas das chácaras idílicas louvadas por Manuel Bandeira; a Minas do cinema pioneiro de João Carriço; a Minas elétrica, industrial, moderna.
Quais dentre nós seremos capazes de ler na cena de Juiz de Fora a cidade na vanguarda do processo de industrialização? Onde a memória da urbs febril e fabril das primeiras décadas do século XX? Quem os atores no palco expressionista do trabalho nas fábricas e dos embates das greves operárias? Por que os cidadãos de Juiz de Fora insistem em desviar o olhar do espelho partido da modernidade, negando a face que se desfaz e se refaz à revelia do nosso esquecimento? Quando seremos capazes de afirmar a nossa singularidade? Nem barroca nem sertaneja, mas a Minas urbana, industrial, fronteira entre o mar e o interior, entre a tradição e a modernidade, entre o passado colonial e as promessas do império e da civilização.
Como nos será possível o horizonte da pós-modernidade sem que tenhamos assumido o moderno que funda e realiza esta outra Minas? Como elaborar estratégias de habitar se incapazes de ler na cena da cidade a modernidade e os paradoxos para os quais ela nos destinou? Afirmar Juiz de Fora como cidade moderna não é apenas reconhecer o tempo originário da cidade, mas principalmente capacitar os cidadãos para o enfrentamento das contradições e desafios que a sua história singular propõe. À impossibilidade de leitura da cidade – textos rasurados, imagens desfocadas, imaginário oculto, memória em ruínas – os habitantes respondem com o temor e a paralisia de quem se defronta com o Minotauro, ou então se refugiam nas margens do presente, analfabetos de si e da história.

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