terça-feira, 28 de agosto de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 07]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

AVENIDA DOS ANDRADAS, ANOS 1920

A pequena história

Fernando Fiorese

Há alguns anos, um velho advogado da minha terra natal, Pirapetinga, publicou a história da cidade do Rio do Peixe Branco, tradução do nome tupi do afluente do Paraíba do Sul que corta o município e lhe empresta o topônimo. Convidado para o lançamento e instado pelo próprio autor a comentar a obra, disse-lhe que, sem desconsiderar o papel do livro na preservação da história oficial, desconhecia a cidade cuja memória ali estava registrada. Não me reconhecia naquele acúmulo de nomes de personalidades, políticos e líderes vários, nem era meu o tempo dos acontecimentos relatados, nem encontrava a paisagem que habitara na infância.
Na verdade, aquelas páginas recendendo a registro civil e atas públicas careciam do vigor com que a memória e o imaginário recriam a história. Perguntei-lhe onde estavam Sudário, o andarilho, Bastiana Trinta, a mendiga, Durvalino, o carroceiro. E os leilões e bingos cantados por meu pai nas festas de Sant’Ana? E os meninos tomando banho nas enchentes do Pirapetinga ou procurando um buraco na lona do circo do palhaço Carequinha? E os bailes de debutantes, as gincanas para as obras da igreja, o batismo dos crentes na Ponte Velha? Enfim, onde estavam os personagens anônimos, os acontecimentos efêmeros, os lugares que, mesmo desfigurados pelo tempo, são referências para toda a vida?
Mesmo após repetidas leituras, o livro de Paulino de Oliveira sobre a história de Juiz de Fora enseja impressões análogas. Não me perguntem sobre Batista de Oliveira, Belfort Arantes ou Francisco Bernardino. Na Juiz de Fora que habito, as ruas não têm nome, têm sentidos. Não me perguntem quais os fundadores da Universidade ou o primeiro provedor da Santa Casa. Na Juiz de Fora que habito, importa mais Isidoro da Flauta, o bêbado Amanajós e Ipólita, “a putain do fim da infância” de Murilo Mendes. Não me perguntem sobre os grandes acontecimentos. Na Juiz de Fora que habito, diz mais o relato do professor Adilson Zappa sobre uma sessão do Cine Popular nos anos 1940.
Não que se deva deixar às traças os documentos oficiais e a vida dos homens públicos. Mas a história só tem sentido quando participa do nosso cotidiano, quando incorporada pela nossa memória, quando capaz de nos fornecer referências para o presente. Há muito os historiadores entenderam a necessidade de contrapor à história oficial o relato fortuito dos operários, dos excluídos, dos marginalizados. Trata-se da pequena história, construída por homens comuns e anônimos, iguais a todos nós que não emprestaremos nomes a ruas, praças ou viadutos.
Aos historiadores profissionais ou diletantes cumpre desvelar os múltiplos tempos de Juiz de Fora, elegendo na memória e no imaginário dos cidadãos as referências fundamentais para a habitação desta cidade. Apenas desta forma, cada habitante se sentirá comprometido com a escrita da história de Juiz de Fora, reconhecendo nas construções e paisagens o patrimônio dos seus afetos e nas ruas os sentidos da trajetória de todos e de cada um.

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