terça-feira, 4 de setembro de 2012

[Da série “Plano estratégico de Juiz de Fora”, 09]


Série de nove crônicas publicadas originalmente no jornal
Tribuna de Minas de maio a setembro de 2000,
por ocasião das comemorações dos 150 anos de Juiz de Fora.

COLÔNIA D. PEDRO II (1872)

 Olhar estrangeiro

Fernando Fiorese

A implantação da fábrica da Mercedes Benz em Juiz de Fora muito nos ensina acerca das relações que o poder público estabelece com a história e a cultura da cidade. As comunidades de São Pedro e Borboleta, que procuravam a duras penas manter os resquícios de sua origem germânica, de repente se tornaram referência obrigatória para a concretização dos interesses econômicos e políticos definidos pela prefeitura e pelo estado. Bairros que durante anos foram mantidos à margem das benesses da urbanização, de repente têm reconhecido o seu papel central na formação da cidade. De repente, o poder público reconhece as raízes alemãs de Juiz de Fora.
Mas onde estava a municipalidade enquanto importantes monumentos arquitetônicos destas comunidades eram demolidos? Onde estava a municipalidade enquanto, por absoluta falta de apoio, os grupos de dança folclórica tinham suas atividades interrompidas durante longos períodos? Onde estava a municipalidade enquanto documentos escritos e fotográficos eram devorados pelo tempo? Onde estava a municipalidade enquanto a memória e a dignidade das famílias se perdiam nas ruas sem infraestrutura básica? Onde estava a municipalidade enquanto, diante do avanço da cultura midiática, foram-se apequenando as manifestações genuínas destas comunidades? Onde está a municipalidade que não providencia o registro da história oral dos últimos imigrantes alemães, se ainda vivos?
Enquanto os discursos oficiais acerca do Plano Estratégico da Prefeitura Municipal nos informam que assim Juiz de Fora se coloca ao lado das cidades do Primeiro Mundo, esquecem-se de dizer que nestas a questão da identidade histórica e cultural das comunidades há muito tem merecido investimentos maciços. São cidades onde cada habitante se reconhece, porque o poder público soube respeitar as diferenças culturais, preservar o patrimônio histórico, democratizar o acesso aos bens e serviços urbanos, acolher as diversas heranças dos povos que as fundaram.
A identidade histórica e cultural das comunidades locais não pode estar subordinada aos objetivos econômicos e políticos dos detentores do poder, sob pena de, assim que tais interesses se realizem, as referências que fundam e singularizam a cidade serem diluídas ou folclorizadas – quando não conduzidas à posição marginal que ocupavam originalmente. O resgate e a preservação da nossa memória, como fundamento da construção da identidade cultural de Juiz de Fora, não podem ficar à mercê de circunstâncias tão fortuitas e casuais quanto a implantação de uma empresa estrangeira.
Também a valorização de nossas raízes italiana, portuguesa, síria, africana, espanhola e libanesa dependerá do advento de interesses em torno de investimentos externos? Então, que no tal Plano Estratégico seja prevista a atração de empresas desses países. Talvez assim, auxiliados pelo olhar estrangeiro, as instituições públicas e privadas de Juiz de Fora sejam capazes de reconhecer a cidade onde estão localizadas, a face dos habitantes que as sustentam e justificam.

CERVEJARIA  GERMANIA,  ÁLBUM  DO  MUNICÍPIO  DE  JUIZ  DE  FORA  (ALBINO  ESTEVES,  1915)  Arquivo de Marcelo Lemos

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